A brisa suave ondula através da toalha de mesa branca, mexendo as flores cor-de-rosa nitidamente bordadas nela há cem anos, talvez mais. Debaixo de uma árvore no fundo do jardim, um fogo ruge no ardente sol de Mendoza. Nós chegamos primeiramente para observar essa casa antiga, cheia de história. Mas Pablo, resplandecente em um avental azul claro e branco e com sua famosa boina plana Yorkshire acena com empanadas fritas douradas, deliciosamente recheadas com queijo. Bom, existe queijo frito, e existe queijo frito do século 17. O meu interesse pela arquitetura começa a diminuir a cada mordida.
Eduardo Soler, proprietário, restaurador e contador de histórias nos arrasta dos aromas sedutores para ver seu trabalho em sua amada casa. Eduardo e sua esposa Emilia, uma advogada quase aposentada trabalhando em seu último caso, compraram La Cayetana da família Videla e estão a restaurando para que tenha seu antigo esplendor. Em 1561, o Rei Espanhol, insatisfeito com o Peru e o Chile, enviou alguns homens pelos Andes para estabelecer uma nova cidade chamada Mendoza. Um desses colonizadores, Videla, construiu uma casa que, juntamente com o resto da cidade, foi destruída no grande terremoto de 1861. A casa foi reconstruída pela família e agora está em Lujan, com várias modificações ao longo dos anos, e com suas longas varandas e peças luminosas e arejadas. Eduardo acaba de pintar as paredes externas, mas não é uma camada comum de tinta. Com um trabalho de amor, Emilia e Eduardo estão pintando a residência à mão para recriar a receita original da pintura. Por cima de uma taça do seu excepcional marsanne-roussane ao estilo Ródano, Eduardo explica que as onipresentes casas rosadas, das quais a mais famosa está localizada em Buenos Aires, são rosas, porque as proteínas e gorduras que são necessárias para tornar as paredes de adobe à prova d’água geralmente vêm do sangue de porco. Felizmente, hoje, Eduardo substituiu o sangue pelo óxido de ferro, em consideração ao ocasional vegetariano que acidentalmente acaba chegando a Mendoza.
Foi durante a restauração da biblioteca, agora com um teto e algumas fiações funcionando em segurança, que Emilia encontrou uma série de documentos históricos, um dos quais era um livro de receitas do século 18. Grande parte da culinária pela qual a Argentina é atualmente famosa foi influenciada pela enorme onda de imigração na virada do século 20. As receitas encontradas por Eduardo e Emilia são da pré-imigração, um livro espanhol com talvez um toque de Huarpe, uma etnia indígena que os espanhóis encontraram em Mendoza, os responsáveis pelos canais de irrigação que ainda regam os vinhedos de Mendoza. Nele você encontra as mais requintadas empanadas - derivadas do verbo espanhol empenar - para embrulhar ou cobrir com pão. Muitas das receitas são com peixes, raramente vistos em Mendoza nos dias de hoje, remontando a um período anterior ao represamento do rio, e a uma rede de lagunas cheias de peixes.
Nós retornamos para a mesa convidativa, agora repleta de focaccia caseira e bolas de massa fritas. Um dos chefs mais talentosos de Mendoza passou a morar na casa ao lado e Eduardo o recrutou para trabalhar na recriação das antigas receitas para ele. Um encontro casual ocorrido há alguns anos perto de Madri, com dois vinicultores que serviam um Grenache excepcional, levou Eduardo a tentar a sorte com um vinho literalmente de garagem. Conforme Pablo demonstra delicadeza após delicadeza defronte de nós, com aspargos crescendo nos canais, cerejas selvagens cozidas, tomates cobertos com manjericão fresco, mais empanadas, abóbora assada em cinzas, uma salada picante de folhas jovens de mostarda; Eduardo combina tudo com sua ode ao vale do Ródano, a linha de vinhos Ver Sacrum. Um Grenache lindamente leve que faz jus a essa uva ‘cinderela’ subestimada seguido do complexo e detalhado Marsanne-Rousanne. Um blend GSM clássico do Ródano foi oferecido, e depois, o meu favorito, um Mencía (o escritor sobre vinhos Tim Atkin diz que o Mencía se parece com um Tempranillo cruzado com um Cabernet Franc) para acompanhar uma bisteca perfeitamente cozida.
Perguntei a Eduardo sobre uma deliciosa infusão de ervas que Pablo serviu, e o que ele quer conquistar com a La Cayetana. Um homem que passou anos escalando e trabalhando como guia na cordilheira do Aconcágua, quer criar um lugar para relaxar e ter paz, um lugar para pensar. Seus vinhos, os pratos de comida e a terra em que a casa se encontra têm uma coisa em comum - a intervenção mínima. Com o tempo, ele tem planos de construir um alambique para produzir conhaque e pisco, a casa precisa de arte e móveis e ele planeja cultivar ou criar em sua terra o máximo possível de alimentos. Por enquanto, a fogueira feroz que cozinhava nosso almoço está morrendo sob o sol de início da tarde e Pablo recebe um merecido descanso e uma taça de vinho. Eu mal posso esperar para voltar aqui e ver a restauração completa. Mas acima de tudo, eu quero muito outra empanada de queijo frito do século 17.
Observações:
A La Cayetana está localizada em Maipu e fica aberta para almoço, de quarta a sábado, apenas mediante reservas. Email: lacayetana1865@gmail.com. Os vinhos servidos são do rótulo da casa, o Ver Sacrum.